O país, referiu, regista um grande défice de especialistas nesta área. "Precisamos formar pessoas para colmatar o défice existente, pois, há apenas um no Hospital Pediátrico David Bernardino e uns poucos na Psiquiatria, que atendem muitos doentes”, sublinhou.
O Hospital David Bernardino, acrescentou, é um dos que conta com especialistas acima da média. "O pediatra inicia o diagnóstico, mas encaminha a criança a um especialista para que o autismo seja diagnosticado de facto”, disse.
"Isso porque, na infância, o diagnóstico é realizado por um psiquiatra infantil ou neurologista pediátrico e, para que seja feito o diagnóstico nessa fase da vida, é muito importante buscar um profissional especialista que tenha experiência no trato com crianças", acrescentou.
Por causa da carência de especialistas, Maria da Luz diz que os hospitais públicos acabam por não ter consultas de desenvolvimento adequadas, o que dificulta o diagnóstico precoce nos pacientes.
A especialista garantiu que as crianças com autismo, quando diagnosticadas de forma precoce e bem acompanhadas por uma equipa multidisciplinar, podem ter uma vida sem muitas complicações.
Por isso, alertou os pais para estarem atentos ao desenvolvimento da criança e, no caso de notarem alguma anomalia, devem imediatamente procurar um pediatra para uma avaliação profunda.
A líder do projecto "Coração Azul” alertou os pais a se informarem sobre a doença, uma vez que o autismo não tem cura e os medicamentos servem apenas para acalmar os sintomas.
Maria da Luz lembrou que o autismo é um transtorno que se manifesta nos três primeiros anos de vida, que compromete todas as áreas do desenvolvimento, sobretudo a linguagem, comunicação e a socialização, sendo mais comum no sexo masculino.
A especialista explicou que o autismo é um transtorno do neuro-desenvolvimento (não é doença e não tem cura) que afecta a forma como a pessoa se comunica e interage com outras pessoas e com o mundo ao seu redor.
"A classificação do diagnóstico leva em conta o nível de gravidade de suporte e pode ser classificado em três graus, a destacar; leve, moderado e severo ou nível três”, disse.
No autismo severo, disse, a pessoa precisa de mais apoio para as actividades da vida diária. "Vale reforçar que essa classificação tem como principal função entender o nível de necessidade de suporte que aquela pessoa vai precisar para realizar o que chamamos de atividades da vida diária (AVDS) e se relacionar com o mundo e as outras pessoas”, salientou.
Projecto social privado
Maria da Luz criou o projecto com Íris André, também mãe de uma criança autista. Explica que o "Coração Azul” é um projecto social privado com sucesso, vocacionado para desenvolver actividades lúdico-terapêuticas em crianças e jovens com autismo e apoiar famílias e cuidadores, em particular as mães.
Recorda que o projecto foi concebido para acolher autistas, mas hoje recebe crianças com Síndrome de Dawn, Paralisia Cerebral, Microcefalia, criando-se uma conectividade mais alargada e multissectorial nas áreas da Saúde, reabilitação da saúde, Educação Especial e área Social.
Ressaltou que o centro "Coração Azul", que resistiu à pandemia, veio para ficar e vai continuar a crescer. "O projecto existe há sete anos e trabalha com 13 crianças com autismo, com idades entre três e sete anos, no período da manhã e no período da tarde com crianças dos oito em diante, que diariamente são acompanhadas por profissionais qualificados, que trabalham no enquadramento das crianças que sofrem com o problema de autismo”, disse.
Informou que o centro conta ainda com professores de Ensino em especial, Fisioterapeuta adaptado, dois psicólogos, um especialista em terapia da fala, entre outros.
O centro "Coração Azul” conta com 20 trabalhadores, oito dos quais são voluntários. Além disso, o centro tem dado apoio às famílias que o procuram.
A responsável do "Centro Azul” entende que em Angola o autismo é visto como "tabu” e considerado um problema sério que ninguém quer falar ou mesmo enfrentar. Mas sublinha que "a pessoa autista é um ser humano que tem os mesmos direitos, necessidades e o cérebro é uma parte do corpo”.
"A luta do centro é mostrar à sociedade que a pessoa com autismo deve ser reabilitada e enquadrada na sociedade de modo a permitir a sua inclusão. Porque a nível do mundo temos autistas que são cientistas, professores, entre outras profissões e que gozam dos mesmos direitos que a generalidade das pessoas”, referiu.
No centro, as famílias com crianças autistas recebem apoio emocional, informação, participam em reuniões e são aconselhadas sobre as dietas para a criança autista. "Tudo de forma gratuita”, explica Maria da Luz que adianta que quem tem um membro da família nesta situação sabe o que é viver com uma pessoa com autismo e o apoio faz toda a diferença.
"O objectivo do "Coração Azul” é ajudar as pessoas com autismo a ter uma vida saudável, estimulando-as com actividades e terapias, assim como mostrar que uma boa escola e assistência capacitada pode mudar a situação de uma criança com autismo”, sublinha.
Por meio do apoio de uma empresa privada, duas crianças de famílias carentes conseguiram, este ano, beneficiar de bolsas para frequentar o projecto.
Maria da Luz explica que os preços dos pacotes no centro variam, atendendo à capacidade financeira de cada família interessada. "As terapias no centro custam, por hora, 680 kwanzas e mensalmente ficam por 60 mil kwanzas”, explicou.
"O mais importante é que as famílias que vivem esta situação devem estar bem informadas”, disse para avançar que, além de não ter cura, as causas do transtorno ainda são incertas.
Mas explicou que o diagnóstico precoce ajuda a trabalhar, reabilitar, modificar e a tratar a criança para que ela possa adequar-se ao convívio social e às actividades académicas.
O grande problema, segundo a responsável do projecto "Coração Azul”, é que Angola não está preparada nem tem condições para lidar com pessoas portadoras de autismo.
"É uma situação que o Estado devia atender, criando condições nas escolas e aumentar o número de especialistas, uma vez que as crianças com autismo, desde que acompanhadas por uma equipa e professores especializados, podem frequentar uma escola normal”, apelou.
Observando esse comportamento no bebé, Maria da Luz decidiu ir ao pediatra, que diagnosticou autismo um ano depois da primeira consulta.
Os primeiros anos foram difíceis, mas meses depois Maria da Luz emigrou para a Inglaterra, onde obteve toda a ajuda para lidar com o problema do filho. Em Inglaterra, Maria da Luz e o filho foram acompanhados por uma equipa composta por psicólogos e terapeutas de diversas áreas, sentindo-se obrigada a fazer vários cursos básicos para ajudar o menino.
Hoje o filho está com 27 anos e Maria da Luz considera-se uma mãe tranquila. "A doença, como foi diagnosticada de forma precoce e as terapias também iniciaram cedo, ele é um homem quase normal”,suspira.
Apesar de as causas do autismo não serem conhecidas, os cientistas sugerem que alguns factores desempenham papel importante no desenvolvimento do transtorno. Entre esses factores são apontados o género, genética, pais velhos e parentes autistas. Quanto ao género, a explicação é que crianças do sexo masculino são mais propensas a terem autismo.
Cerca de 30 por cento das crianças que possuem autismo também sofrem de outros transtornos de ordem genética como Síndrome de Down, esclerose tuberosa e Síndrome do X frágil, entre outras.
Outro factor são os pais velhos. A ciência diz que, quanto mais velho alguém tiver um filho, mais riscos as crianças têm de desenvolver algum tipo de problema. E com o autismo não é diferente. Além disso, há a questão dos parentes autistas. Se a família já tiver um histórico de autismo, as probabilidades de alguém também ser autista são maiores.
Estima-se que 70 milhões de pessoas no Mundo possuem algum tipo de autismo, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). O autismo atinge ambos os sexos e todas as etnias, mas o número de ocorrências prevalece maior entre o sexo masculino. Em cada 44 crianças que nascem no mundo, uma nasce com autismo.