Percepção pública de vacinas diminui em 52 países alvo de estudo


 

A percepção pública da importância das vacinas para as crianças diminuiu durante a pandemia da Covid-19 em 52 dos 55 países alvo do estudo, advertiu o UNICEF num novo relatório sobre imunização publicado hoje, quinta-feira.

De acordo com o relatório, a percepção da importância das vacinas para as crianças diminuiu em mais de um terço na República da Coreia, Papua Nova Guiné, Gana, Senegal e Japão, após o início da pandemia. Nos novos dados, recolhidos pelo "The Vaccine Confidence Project” e publicados pelo UNICEF, países como a China, a Índia e o México foram os únicos alvo do estudo onde os dados indicam a percepção da importância das vacinas mantidas ou mesmo melhoradas. Na maioria dos países, as pessoas com menos de 35 anos e as mulheres foram mais propensas a relatar menos confiança nas vacinas para crianças após o início da pandemia.

 O documento revela que a confiança na vacina é volátil e específica de acordo com o tempo. Será necessária uma recolha adicional de dados e uma análise mais aprofundada para determinar se os resultados são indicativos de uma tendência a longo prazo. Apesar das quedas, o apoio global às vacinas continua a ser relativamente forte. Em quase metade dos 55 países estudados, mais de 80% dos inquiridos consideraram as vacinas como importantes para as crianças.

 No entanto, o relatório alerta para a confluência de vários factores que sugerem que a ameaça de hesitação vacinal pode estar a crescer. Estes factores incluem incerteza sobre a resposta à pandemia, acesso crescente a informação enganosa, declínio da confiança na perícia, e polarização política.

 "No auge da pandemia, os cientistas desenvolveram rapidamente vacinas que salvaram inúmeras vidas. Mas apesar deste feito histórico, o medo e a desinformação sobre todos os tipos de vacinas circularam tão amplamente como o próprio vírus", disse Catherine Russell, directora executiva do UNICEF. "Estes dados são um sinal de alerta preocupante. Não podemos permitir que a confiança na vacinação de rotina se torne noutra vítima da pandemia. Caso contrário, a próxima vaga de mortes poderia ser de mais crianças com sarampo, difteria ou outras doenças preveniveis", refere a responsável do UNICEF.

 De forma alarmante, o declínio na confiança vem num período de maior recuo sustentado da imunização infantil em 30 anos, alimentado pela pandemia da Covid-19. A pandemia interrompeu a vacinação infantil em quase todo o lado, especialmente devido às intensas exigências dos sistemas de saúde, ao desvio de recursos de imunização para a vacinação contra a Covid-19, à escassez de trabalhadores de saúde e às medidas de isolamento domiciliar, diz o relatório.

O relatório apresenta um total de 67 milhões de crianças não vacinadas entre 2019 e 2021, com níveis de cobertura vacinal a diminuir em 112 países. As crianças nascidas pouco antes ou durante a pandemia estão agora a ultrapassar a idade em que normalmente seriam vacinadas, sublinhando a necessidade de uma acção urgente para recuperar o atraso daqueles que não foram vacinados e evitar surtos de doenças mortais. Em 2022, por exemplo, o número de casos de sarampo era superior ao dobro do total no ano anterior. O número de crianças paralisadas pela poliomielite aumentou 16 por cento em 2022, numa base anual. Ao se comparar o período de 2019 a 2021 com o período de três anos anterior, houve um aumento de oito vezes no número de crianças paralisadas pela poliomielite, salientando a necessidade de assegurar que os esforços de vacinação sejam sustentados.

A pandemia também exacerbou as desigualdades existentes. Para muitas crianças, especialmente nas comunidades mais marginalizadas, o relatório refere que a vacinação ainda não está disponível, não é acessível nem é comportável. Mesmo antes da pandemia, os progressos na vacinação tinham estagnado durante quase uma década, à medida que o mundo se esforçava por alcançar as crianças mais marginalizadas.

 Dos 67 milhões de crianças que falharam à vacinação de rotina entre 2019 e 2021, 48 milhões não receberam uma única vacina de rotina, também conhecida como "dose zero". No final de 2021, a Índia e a Nigéria (ambos os países com coortes de nascimento muito grandes) tinham o maior número de crianças com dose zero, mas o aumento do número de crianças de dose zero foi especialmente notável em Mianmar e nas Filipinas.

Comunidades pobres

As crianças em falta vivem nas comunidades mais pobres, mais remotas e marginalizadas, por vezes afectadas por conflitos. Novos dados produzidos para o relatório do Centro Internacional para a Equidade na Saúde constataram que nos agregados mais pobres, 1 em cada 5 crianças tem dose zero, enquanto que nos mais ricos, é apenas 1 em cada 20. O relatório revela ainda que as crianças não vacinadas vivem frequentemente em comunidades de difícil acesso, tais como zonas rurais ou bairros de lata urbanos. Têm frequentemente mães que não puderam ir à escola e com pouca influência nas decisões familiares. Estes desafios são maiores nos países de rendimento baixo e médio, onde cerca de 1 em cada 10 crianças nas zonas urbanas é dose zero e 1 em cada 6 nas zonas rurais. Nos países de rendimento médio-alto, não existe quase nenhum fosso entre as crianças urbanas e rurais.

 Para vacinar cada criança, é vital reforçar os cuidados de saúde primários e fornecer aos seus trabalhadores da linha da frente, na sua maioria mulheres, os recursos e o apoio de que necessitam. O relatório constata que as mulheres estão na linha da frente na disponibilização de vacinas, mas enfrentam baixos salários, emprego informal, falta de formação formal e oportunidades de carreira e ameaças à sua segurança.

 Para enfrentar esta crise de sobrevivência infantil, o UNICEF apela aos Governos para que redobrem o seu empenho em aumentar o financiamento para a imunização e trabalhar com os diferentes actores para desbloquear os recursos disponíveis, incluindo os fundos remanescentes da Covid-19, para implementar e acelerar urgentemente os esforços de vacinação para proteger as crianças e prevenir surtos de doenças.

O relatório insta ainda os Governos a identificar e alcançar urgentemente todas as crianças, especialmente aquelas que falharam às vacinas durante a pandemia da Covid-19; reforçar a procura de vacinas, inclusive através do aumento da confiança; dar prioridade ao financiamento de serviços de imunização e cuidados de saúde primários e construir sistemas de saúde resilientes através do investimento em profissionais de saúde femininos, inovação e manufactura local.

 "As vacinas salvaram milhões de vidas e protegeram as comunidades de surtos de doenças mortais", disse Catherine Russell. "Sabemos demasiado bem que as doenças não respeitam fronteiras. As vacinas de rotina e sistemas de saúde fortes são a nossa melhor hipótese de prevenir futuras pandemias, mortes e sofrimento desnecessários. Com os recursos ainda disponíveis da campanha de vacinação contra a Covid-19, chegou o momento de redireccionar esses fundos para reforçar os serviços de vacinação e investir em sistemas sustentáveis para cada criança", exorta a directora executiva do UNICEF.

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