Tomás Ferreira “Walter”: “Cinema e teatro envolvem muita intimidade”
As atenções dos espectadores podem ser desviadas se os actores apresentarem imagens desagradáveis, relegando para segundo plano a história do filme. Tomás Ferreira “Walter”, profissional da Televisão Pública de Angola, relata a importância da imagem pessoal e higiena oral dos artistas e técnicos da arte dramática, nos momentos de proximidade física em que se dedicam ao trabalho interagindo com colegas em cenas eróticas tanto no cinema como no teatro
O convívio entre actores e técnicos no cinema e teatro obriga à partilha ou não de momentos de intimidade que requerem cuidados de higiene oral?
As artes cénicas, com a excepção de alguns formatos específicos como monólogos, em teatro, envolvem várias pessoas, sendo resultado da interacção entre actores.
Em geral, as artes cénicas, e em particular as modalidades de teatro e cinema, constituem um trabalho de equipa, envolve sempre muita gente, mais do que uma pessoa. Por isso, é importante que cada um tenha de forma cuidada a sua higiene.
Não é só a higiene oral, mas a higiene geral, enfim, as pessoas têm que ter um cheiro agradável, para se evitar que os colegas inalem um cheio que afaste, devem primar por algo que não repele alguém que estiver por perto.
É difícil trabalhar em circunstâncias em que técnicos e actores não cuidam da imagem pessoal?
O caso do teatro e cinema é muito complicado e constrangedor, não só do ponto de vista pessoal, é, também, para a própria produção. Imagine que sejam escolhidos dois actores para protagonizarem uma peça de teatro, ou um filme, são os actores que a produção tanto anseia. Imagine que um deles tem um problema de higiene oral, com certeza que isso vai criar uma situação constrangedora para os actores e para a própria equipa de produção.
Os cuidados de saúde, no universo das artes cénicas, são restritos à higiene oral?
É muito importante que os actores cuidem, realmente, da higiene de forma geral, não só por uma questão de saúde, mas também, por questões profissionais.
Fora desse aspecto, da própria interacção entre os colegas que deve acontecer de forma harmoniosa, de forma pacífica, agradável e confortável, para todos, para aqueles actores que vão contracenar e para a própria equipa que vai estar à volta desses actores.
As cenas de beijo e sexo exigem muito mais cuidados de higiene?
Devemos lembrar que as artes cénicas, por norma, tirando uma outra excepção, relativamente formatos muitos específicos, ou subformatos quer no teatro quer no cinema, envolvem muitas intimidades.
Beijo e sexo, naturalmente, existem, embora em alguns casos sejam simulações, mas há cenas de sexo, abraços, carícias, enfim cenas eróticas, leva é visível, por isso, afirmo sem receio nenhum que há muita intimidade.
Realmente, a intimidade versus problemas de higiene, com esse ou daquele actor/actriz não é compatível (salutar), "não casa”. Não é uma coisa que funciona.
Além desses aspectos sobre higiene, existem outros elementos negativos que criam antipatia na relação entre os actores em palco, ou em cena?
Para além desse aspecto, que pode afectar a questão da interacção, do envolvimento entre colegas, ou melhor da intimidade cénica entre colegas, temos a própria questão da imagem, daí os actores devem se cuidar em todos os aspectos.
No caso do teatro e cinema, vive-se da imagem. Um actor que aparece, ou passe uma imagem com os dentes não muito saudáveis, dentes deteriorados, uma imagem não agradável de se ver, naturalmente, cria algum ruído na própria comunicação entre o público e o filme. A não ser que a personagem assim o exija, mas se não for o caso, um actor que aparece com um dente podre, por exemplo, ele cria com certeza um ruído na comunicação entre a obra e o espectador porque o público ao invés de ouvir o que o actor diz, seguir a história, prestar atenção na mensagem do filme, vai ficar preocupado com o dente do actor, ou da actriz.
As atenções dos espectadores podem ser desviadas para essa imagem desagradável, relegando para segundo plano a história do filme. Portanto, a questão da imagem é fundamental para os actores.
Existem projectos cinematográficos e peças de teatro em que a produção desenha personagens com imagens ruins?
Existem obras em que se impõem actores com uma imagem bem cuidada. Imagem de galã, por exemplo, há casos que se exige esse perfil.
Os filmes, dentro de um formato normal, de uma ideologia normal, procuram actores que passem – vendam – uma imagem bonita, quer do rosto, quer física no geral, e por aí adiante.
Com excepção de projectos em que o argumentista (cinema) ou o encenador (dramaturgo) tenha esboçado uma história em que as personagens têm perfis específicos, estereótipos, personagens que a própria história do filme impõe determinadas características da boca, dos olhos, lábios, das orelhas, robustez física ou não.
É claro que, muitas vezes procuram-se actores com imagens degradadas, dentes podres, por ser assim que o realizador idealizou essa personagem, de acordo com a narrativa. Mas, fora desses formatos específicos, estereótipos, ou arquétipos previamente concebidos pelo argumentista ou dramaturgo, tudo tem que ser normal, e o normal é que as pessoas (actores) apareçam com os dentes e uma imagem bucal saudável, bem como a imagem física no seu todo.
Que importância atribui, então, ao tema "Higiene oral no cinema e teatro”?
É pertinente falarmos sobre esse tema. Eu, pessoalmente, devo me preocupar com a "Higiene oral nas artes cénicas – cinema e teatro –” porque intervenho nessas duas áreas. Primeiro, por que existe a área de interacção entre os actores a nível da própria intimidade das personagens que, por norma, nas histórias têm cenas de intimidade: beijam-se, abraçam-se, dormem juntos, fazem cenas de sexo – tecnicamente falando -, portanto, nessa área é fundamental a higiene não só oral, mas a higiene no geral.
Segundo, temos a área de comunicação entre a obra (filme ou peça) e o espectador. Quando o espectador assiste uma obra ele espera ver algo que lhe agrade. Compra um ingresso para uma sala de cinema com o intuito de ir curtir o filme, entreter-se, absorver as mensagens do filme ou da peça de teatro, curtir a história de uma Meira geral. Quando se depare com qualquer coisa à margem do objectivo da história passa a ser um ruído, e um dente podre ou coisa feia, nos actores ou actrizes, à margem da narrativa dramática passa automaticamente a ser um ruído de comunicação entre o público e a obra.
Alguma vez deparou-se com situações desagradáveis (higiene) ao beijar alguém, ou abraçar?
Durante a minha carreira como actor, eu não me lembro ter cruzado com alguma colega em que eu tenha notado esse problema da higiene bucal, felizmente não!
Mas, já ouvi casos, no papel de realizador, já fui confrontado com situações desses. Uma vez um actor veio ter comigo, em particular, e fez o seguinte comentário: "realizador, a actriz com quem estou a contracenar tem um mau hálito…”. Já tive uma ou duas situações dessas, a minha preocupação era sempre, e porque essas ocorrências deram-se nos momentos das filmagens, o que eu fiz foi perguntar aos actores que reclamaram de actrizes, a minha preocupação foi perguntar se dava para gerir, porque já estávamos a gravar, era complicado. Eu lembro que os actores admitiram eu dava para prosseguir.
Houve um caso, em que eu pedi, uma das minhas assistentes, para conversar com a actriz, em particular, que estava nessas condições, e tentar usar algum produto que mantivesse a boca mais fresquinha com aroma mais agradável. Felizmente, ela acatou os conselhos e as queixas acabaram…
Diz-se muito "beijo técnico”. Existe ou não?
O beijo técnico…, essa é uma daquelas novelas mexicanas. Bem, eu começaria por dizer o seguinte sobre o beijo técnico: vamos imaginar que eu entre numa novela para representar a personagem Paulo Jorge, esse apaixona-se com a Ana Maria.
Loucamente, fruto dessa paixão, os dois há cenas quentes entre ambos, de beijos e carícias, ou "amassos” como se diz. Para além da paixão, têm conflitos, brigam, ofendem-se, etc. Essa raiva do Paulo Jorge, essa paixão dele, é também real da personagem, só que para os telespectadores ao verem um cena de beijo consideram que é o Tomás Ferreira "Walter” que está a beijar e não o Paulo Jorge. Sim, até aqui tudo bem, é o "Walter” fisicamente, é quem dá o corpo a essa personagem, porque fisicamente eu "Walter” estou a beijar essa mulher, que no filme chama-se Ana Maria.
Na verdade, esses sentimentos também são da Ana Maria, imaginemos que ela seja a actriz Elisabeth Neto. Eu não amo a Elisabeth Neto, mas sim a Ana Maria, personagem da novela, interpretada pela actriz Elisabeth Neto. Portanto, o Paulo Jorge e a Ana Maria amam-se, e não o "Walter” e a Elisabeth Neto, tanto é fora da novela eles nunca se beijam, porque não há sentimento dessa natureza um pelo outro, ao contrário das cenas da novela em que há sentimentos.
Vamos nos cingir no beijo, de ambos, baseia-se nos sentimentos que a história relata um pelo outro. Isso é o beijo técnico, tudo isso que relatei é o beijo técnico. O beijo técnico é exactamente um beijo que acontece nas artes cénicas por conta de uma perspectiva profissional. É profissional, acontece no âmbito de um trabalho, de uma ética profissional.
Quando eu beijo a minha mulher, por que a amo, tenho sentimentos por ela, não sou um personagem na vida da minha mulher, sou o Tomás Ferreira, para ela, e a amo, beijo-a porque amo essa mulher. Quando estou na novel é óbvio que não sou o Tomás Ferreira, porque para beijar a Ana Maria . da novela – eu tenho que me sentir apaixonado por ela, eu, Paulo Jorge.
Então, não é nada complicado, o beijo técnico é o beijo dado no trabalho cénico, é dado com base nos sentimentos das personagens, num filme, peça de teatro, novela, etc, por isso se chama beijo técnico, por que eu tenho uma carga, uma perspectiva profissional.
Alguma vez teve conflitos ou deparou-se com momentos críticos, à margem da produção de filme, por se envolver em cenas íntimas?
Nunca vive nenhumas situações dessas como actor, realmente. Mas, já vive como realizador. Como actor representei várias personagens que tiveram envolvidos em cenas íntimas, e felizmente tudo correu bem, nem namorados nem maridos das minhas colegas ficaram zangados por isso. Até onde eu sei…
Como realizador fui muitas vezes atacado, e quase levei uma surra pelos maridos, ou namorados de actrizes que participaram nos meus trabalhos e estiveram envolvidas em cenas íntimas. Fui muitas vezes ofendido, quase atacado com alguma violência pelos maridos pelo menos uns três casos já vive.
Felizmente, as coisas acabaram bem, mas poderiam ter sido piores. Conheço casos de actores com o quais trabalhei nos meus projectos (novelas) que tiveram problemas com os parceiros, e tem sido mais os homens terem problemas com os companheiros das actrizes com as quais contracenam.
Não me lembro de nenhuma situação diferente, em que mulheres dos actores tenham conflitos com as actrizes por contracenarem com os seus companheiros (namorados e maridos). São mais os homens que não suportam ver as suas namoradas em cenas íntimas em filmes e novelas, isso é quer no país, como no exterior. Existem casos de filmes estrangeiros que deram "bum”. Conheço actrizes aqui em Angola que deixaram de actuar, boas actrizes, por terem problemas nas relações com os maridos e namorados, por conta dessa situação. É uma pena, porque uma boa parte delas eram boas actrizes, mas os maridos as proibiram, condicionando a relação amorosa no lar ou a arte de representar. "Olha se quiser ser actriz faça comigo e casa”.
Defende ou não que se avalie a higiene oral dos actores durante uma sessão de casting?
Não é comum, num casting, chegar-se ao ponto de exigir algum comprovativo da saúde oral, ou outro tipo de higiene dos candidatos, não é comum. Mas, não é, de todo, uma situação que não tem cabimento, não!
Eu acho que não, embora não seja comum. Agora, num projecto muito específico, pela natureza do próprio guião, da história, quiçá, também, do nível de participação do elenco, ou de determinado actor, que vai contracenar com…, sim, se exija esse tipo de comprovativo num casting, de qualidade de higiene.Não é descabido, é possível, só não é muito comum, quer no exterior, quer no nosso país. Acredito que exista essa exigência em alguma parte do mundo, pela grande indústria do cinema haja esse tipo de exigência, não tenho dúvidas disso, mas que eu conheça não é uma coisa muito comum a acontecer num casting.
Especialista aconselha actores à cultura da higiene oral
A cirurgiã-dentista Andréa Aguiar considerou que o hábito de escovar os dentes, raspar a língua, passar o fio dental e um desinfectante líquido não deve ser esquecido mesmo quando os actores mudam de ambiente de trabalho. Advogou que se trata de uma cultura, ou hábito, semelhante à lavagem das mãos, e tem de ser um acto natural.
O facto de os actores ficarem por muito tempo no ambiente cénico (set, ou no palco), às vezes, sem tempo de se alimentarem, ficam com fome muitas horas, sem lubrificação da cavidade oral, a boca fica seca, sem saliva natural, faz com que as bactérias se proliferam e criam mau cheiro na boca.
A especialista de nacionalidade brasileira, pós-graduada pela Universidade de Havard, nos Estados Unidos, falou, recentemente, sobre a importância da "Higiene oral nas Artes Cénicas – cinema e teatro” num debate de radiofónico em que participaram dentistas, actores, realizadores e produtores angolanos. Às vezes, disse, o próprio actor não sente esse cheiro, não consegue mensurar isso, e talvez o colega de cena poderá questionar sobre a situação embora seja delicada, "mas é algo normal”.
Apelou aos actores que não tiverem condições de escovarem os dentes, no decorrer das filmagens ou mesmo nos ensaios, para passarem o fio dental, fazer bastantes bochechos com líquidos apropriados já que estão fora de casa, e beber muita água, "devem andar com esse material de higiene oral”.
Multi-estética e personalidade
A corrida por sorrisos perfeitos clareando os dentes, uma tendência que quase é moda nos países desenvolvidos e em vias de desenvolvimento, leva muitos artistas de cinema e teatro à adesão de padrões exagerados de estética, segundo a cirurgiã-dentista Andréa Aguiar.
Em declarações ao Jornal de Angola, a profissional da Saúde, a propósito do Dia Mundial da Saúde Oral, assinalado no mês passado, criticou o facto de muitos actores ostentarem "a mesma boca” socorrendo-se da estética para clarear os dentes, fazem cirurgia, usam aparelhos, apresentando uma imagem que permite vislumbrar feições totalmente idênticas, em que não há diferença dos lábios, da boca, a que designou por "a mesma boca”.
"Actualmente, temos vistos os actores todos com a mesma boca, eles vão atrás das próteses, dos implantes, retiram dentes que podem ser tratados de forma simples e natural, usam as famosas lentes de contacto de diversas espessuras, e que têm formato de dentes sobrepondo ao dente natural, pensando que o uso desses aparatos que não têm esmalte, estarão livres de contrair cárie, problemas de gengivites, e periodontite, que é uma doença oral inflamatória crónica que destrói progressivamente o aparelho de suporte dentário”.
Por outro lado, deu a conhecer que uma gengivite não tratada caminha para uma inflamação a nível de raiz, destrói todo o sistema que suporta o dente – que mantém o dente no seu próprio alvéolo - , causando dor e odor. Geralmente, a boca tem sido a porta de entrada para muitas doenças, senão para todas. "Corre-se o risco de se contrair a Sida, quando os actores se envolvem em cenas de beijo, pois uma lesão sangrante na boca é uma porta aberta para se contrair o vírus do HIV”.