42 anos depois: Bob Marley e seu legado continuam a brilhar



Na passada quinta-feira, 11 de Maio, foram assinalados 42 anos depois da morte da estrela da música mundial, Bob Marley, ocorrida em Miami, EUA, em 1981. A nível mundial foram várias as actividades realizadas assim como as manifestações de apreço à vida e obra do homem que com o Reggae projectou a pequena ilha da Jamaica para a rota do showbizz mundial. Bob Marley tornou-se também, com este estilo musical, um dos maiores divulgadores da filosofia Rastafari. O seu legado frutificou em Angola, onde todos os anos cresce a comunidade de apreciadores do Reggae e de seguidores do rastafarianismo

Angola não ficou indiferente à efeméride, com a realização de eventos diferenciados. O Jornal de Angola esteve no Viniburg Bar, na Vila Alice, onde acompanhou o "Tributo a Bob Marley” realizado pela NARA - Associação dos Amigos do Reggae de Angola. No evento houve uma exposição de artesanato e gastronomia e um concerto musical com Huito Jah Locks, Brother Benjamim, José, Tuka Kongo, Masta Kaya e a Banda Roots Reggae. Ras Sassa, Terroryzer e Lolas animaram musicalmente tocando nos pratos diferentes tendências do Reggae com Bob Marley no centro.

José, jovem trovador, abriu o momento da música ao vivo ao interpretar sucessos de Bob Marley com realce para "No Woman no Cry”. Directamente de Mbanza Kongo, Tuka Kongo foi a surpresa da festa, com um Reggae em Kikongo assente nos instrumentais conhecidos de Bob Marley "One Love” e de Lucky Dube "Slave”.

Na parte final das perfomances subiu ao palco a Banda Roots Reggae para consolidar a euforia dos presentes. Benjamim, pela primeira vez, cantou com o suporte desta formação, que aposta neste estilo. O músico, preocupado com os problemas sociais, prendeu a plateia com uma mensagem de apelo à unidade africana.

Huito Jah Locks, o artista de cartaz, mostrou a vibração de um reggaeman em palco ao pular e balançar os dreadlocks. Cantou o amor pelo Reggae, o romantismo de um dread, levou à reflexão em torno da erva sagrada, as lutas diárias para a sobrevivência, dentre outros temas.

Masta Kaya foi o último a subir ao palco e não esqueceu Jah Isaac, primeiro líder da Comunidade Rasta em Angola. A canção agitou a assistência com a tomada da pista de dança pelo electrizante Faya Congo, discípulo de Jah Isaac e actual presidente da AMORA - Associação do Movimento da Ordem Rastafari de Angola. Masta cantou temas de intervenção social e explorou o Ragga Muffin.

Após o encerramento da música ao vivo a "festa faray” bateu até as primeiras horas do dia 12 de Maio. A NARA conseguiu levar ao evento um público eclético e com vontade genuína de celebrar a vida e obra de Bob Marley.

No final, todos queriam mesmo celebrar o amor que Marley espalhou com "One Love” e outros sucessos que já pertencem ao imaginário sonoro mundial. A mesma mensagem que serviu de trilha sonora quando o Reggae, estilo de música que tem Bob Marley como Rei, foi reconhecido como património imaterial da humanidade pela UNESCO, em Novembro de 2018.

Tuka Kongo
Como é ser Rasta em Mbanza Kongo

Tuka Kongo é o responsável da comunidade Rastafari na província do Zaire e vive uma realidade diferente da encarada em Luanda. O cantor, que canta as vivências africanas, falou da sua experiência e como Bob Marley é apreciado na sua província, que celebrou o 11 de Maio com um concerto na zona fronteiriça do Luvu.

"Olha, tudo começou a ser consolidado a partir de 2015, quando a primeira delegação esteve com o ancião Faya Congo e assim surgiu um grupo de revolucionários dentro do movimento Rastafary. Depois eu, Wadada e Sister Jane fomos enviados para solicitar ao Governo Provincial a legalização a nível local. Neste momento temos a nossa sede em Mbanza Kongo e estamos em todo território e em contacto com as autoridades para mostrar o que é ser Rasta na realidade e desmistificar o que muitos pensam que é ser bandido. Rasta é um ser consciente, aquele que tem amor pela sociedade, o homem que é uma estrela e que não se suja no meio público”.

Tuka Congo diz que Bob Marley é visto como um libertador e panafricanista e que a presença do Movimento Rastafary em Mbanza Kongo é marcada por simbolismo porque a cidade é Património Imaterial da Humanidade, tal como é o Reggae, e, como nas mensagens do Rei do Reggae, há uma preocupação pela preservação da cultura Bantu. "Bob Marley cantava que África precisa de se libertar e Mbanza Kongo é onde chegou Diogo Cão, por isso o movimento Rasta está para libertar este povo da colonização mental. É um local de históricos da cultura Bantu como a Mamã Kimpa Vita, Papá Kimbangu, Nimi Ya Lukeny, Nzangu Ne Vambu e outros reis, mas o mundo não sabe”.

O rastaman falou dos primeiros momentos da afirmação do movimento Rastafari na província do Zaire. "Quando aparecemos com guedelhas, as pessoas viam-nos como estranhos e pensavam que éramos estrangeiros, mas depois de encararem que sou filho de Mbanza Kongo, da geração de Álvaro Muanza e descendente de Nimi Ya Lukeny, mudaram e ficaram mais convencidas porque falava a língua Kikongo com perfeição”.

Tomás de Melo
"Hoje há maior abertura”

Tomás de Melo é o jornalista que há 24 anos conduz o programa "Raízes Reggae” na Rádio Ecclesia. Ele faz a seguinte abordagem sobre os 42 anos da morte física do Rei do Reggae.

"Bob Marley está em mim, está em todos nós. Bob Marley vive em nós e nós no ‘Raízes Reggae’ ao longo destes quase 24 anos da divulgação da música Reggae. Em cada uma das edições sempre tivemos presentes Bob Marley a acompanhar-nos, porque é em relação ao legado de Marley e é isto que é perpetuar o legado de Bob Marley, passando as suas várias facetas, desde "Judge Not” até ao "Uprising” e outras temáticas. O Marley mais romântico, mais Soul, ou seja, mais para o seu interior, o activista social, aquele que se preocupa com questões sociais ou aquele seu lado mais rebelde, olhando para o continente africano e a necessidade das independências do continente africano”.

Ao falar da primeira fase da implementação do movimento Rastafari em Angola, diz: "por cá, como em outras partes do mundo, muitos jovens começam a ouvir a música, a ver o cabelo e depois acabam por tornar-se rastas no verdadeiro sentido da filosofia Rastafari. Marley é uma porta e foi um período muito, muito difícil porque nós havíamos sido educados da forma ocidental, que recusava o ser africano. No entanto, o movimento Rastafari veio quebrar este paradigma e fazer com que fosse possível também aceitarmos as diferenças, a nossa herança cultural africana, a nossa maneira de ser. Naquela altura, Angola recusava isto, até a música, quem ouvisse Reggae era considerado liambeiro e quem criasse os dreadlocks era considerado bandido. Também foi difícil com os políticos e aquela juventude rebelde que aparecia na sociedade angolana”.

Quanto ao presente, diz: "estamos há 31 anos, depois de 1992, nesta luta. E são muitas portas que se abriram, é um ou outro que vai descriminado, porque o preconceito em relação ao homem Rasta ainda existe de forma subtil. Reconhecemos, com o passar do tempo, maior abertura, maior consciencialização e instrução e a Internet está a ajudar com a informação para o conhecimento informal”.

A história do Círculo Rastafari de Benguela(CRB) tem como génese um conjunto de jovens que não sendo, na asserção da palavra, rastas, tinham um vínculo e/ou elementos de identificação exterior com o rastafarianismo: dreadlocks, (...) e a música reggae, com destaque para Bob Marley and The Wailers.

E vão marcar com a sua presença os meados dos anos 70, 80 e início dos 90 do século XX a sociedade benguelense, com destaque para Rafael Vicente Sequeira "Rafa” (1960-2023) figura emblemática que em conjunto com Cristóvão Mário Kajibanga "Kaji” (1963-2021), Manuel Serena "Necas”, Carlos Machado "Carlitos”, Tino Machado "Botarra”, Manuel Luís Dias dos Santos "Maludisa Zion”, Aristóteles "Toty”, Bento Soares "Kafundanga”, Laurindo de Oliveira "Tchihim”, Rafael Domingos "Hunguekeke”, José Leitão Prata "Mona”, Francisco Tambwe Praga, Agostinho Sanjo Sanjambela "Dos Anjos”, Silva Chingando Chipessenje Marcolino "Ngando”, Nito Fernando, João Viegas "Bob”, José Delgado Gomes "Delgas”, Abias Kahenga Ukuma, Zeferino Domingos, Tayas, Chiminy, César "Satanás”... como membros-fundadores proclamam, constituem e fundam em 11/05/1994 na cidade de Benguela o CRB - Círculo Rastafari de Benguela.

Importa lembrar que os seus estatutos foram elaborados pelo advogado, escritor e docente universitário Luis Kandjimbo. Estavam assim lançadas as bases para existência oficial de uma associação Rasta, cujos objectivos imediatos visavam desconstruir a visão da sociedade sobre o movimento Rastafari como um conjunto de pessoas excêntricas, semi-analfabetas e/ou de baixa escolaridade, com problemas de higiene pessoal, consumidores de drogas.

E iniciou-se a construção de relações institucionais que permitiram a destruição de objectos opressivos como o famoso documento do cabelo para identificação, a abertura académica que permitiu a continuidade dos estudos aos membros nos diversos níveis de ensino, o reforço da capacidade organizacional que permitiu estabelecer parcerias com Ong’s nacionais e estrangeiras e participação nos mais diversos eventos e fóruns. E a sua estrutura estatutária serviu de modelo para o aparecimento do CRH - Círculo Rastafari da Huíla e do Círculo Rastafari do Huambo.

No entanto, o grande desafio do CRB continua a ser o governo teocrático cuja estrutura é estabelecida pelo International Guide Line da Ordem Nyabinghi, tendo em conta que todo o modo de vida Rasta passa, indubitavelmente, por ele num plano de autonomia administrativa e financeira dos Órgãos de Direcção e execução da associação. Razão pela qual se encontra em revisão toda a sua estrutura de funcionamento futuro...

Bob Marley, o pensador

"Não tocamos para agradar os críticos. Tocamos o que queremos, quando queremos e o quanto quisermos. E temos motivos para tocar”.

"Para quê levar a vida tão a sério, se a vida é uma alucinante aventura da qual jamais sairemos vivos?”

"Saudade é um sentimento que quando não cabe no coração, escorre pelos olhos”.

"Não ligo que me olhem da cabeça aos pés, porque nunca farão a minha cabeça e nunca chegarão aos meus pés”.

"Não viva para que a sua presença seja notada, mas para que a sua falta seja sentida”.

"Preocupe-se mais com a sua consciência do que com sua reputação. Porque a sua consciência é o que você é, e a sua reputação é o que os outros pensam de você. E o que os outros pensam é problema deles”.

"Vocês riem de mim por eu ser diferente, e eu rio de vocês por serem todos iguais”.

"Se Deus criou as pessoas para amar e as coisas para usar, por que amamos as coisas e usamos as pessoas?”

"Eu olho para dentro de mim e não me importo com o que as pessoas fazem ou dizem, eu me preocupo só com as coisas certas”.

"Não cruze os braços diante de uma dificuldade, pois o maior homem do mundo morreu de braços abertos”.

"Se choras por não ter visto o pôr do sol, as lágrimas não te deixarão ver as estrelas”.

"Sou louco porque vivo num mundo que não merece a minha lucidez”.

"Enquanto a cor da pele for mais importante do que o brilho dos olhos, haverá guerra”.

"O que importa se você tem olhos verdes, se o vermelho dos meus reflectem o verde da natureza…”

"Às vezes construímos sonhos em cima de grandes pessoas. O tempo passa e descobrimos que grandes mesmo eram os sonhos e as pessoas pequenas demais para torná-los reais”.

"Há pessoas que amam o poder e outras que têm o poder de amar”.

"Todos caem, mas apenas os fracos continuam no chão”.

"Amo a liberdade, por isso as coisas que amo, deixo-as livres. Se voltarem é porque as conquistei, se não voltarem é porque nunca as tive”.

"Ideal seria que todas as pessoas soubessem amar o tanto que sabem fingir”.

"Seja humilde, pois até o sol, com toda a sua grandeza, se põe e deixa a lua brilhar”.

"Eles dizem que o sol brilha para todos, mas para algumas pessoas no mundo ele nunca brilha”.

"A maior covardia de um homem é despertar o amor de uma mulher sem ter a intenção de amá-la”.

"A vida não é medida pelo número de vezes que você respirou, mas pelos momentos em que você perdeu o fôlego”.

"Chamam-nos loucos, num mundo em que os certos fazem bombas”.

"É melhor atirar-se à luta em busca de dias melhores, mesmo correndo o risco de perder tudo, do que permanecer estático, como os pobres de espírito, que não lutam, mas também não vencem, que não conhecem a dor da derrota, nem a glória de ressurgir dos escombros. Esses pobres de espírito, no final da sua jornada na Terra não agradecem a Deus por terem vivido, mas desculpam-se perante Ele por terem apenas passado pela vida”.

A lenda vive

Conhecemos Bob Marley ainda gritando contra o colonialismo. Não estranhava não sermos os únicos a senti-lo, pois em 1980 estrelou no festival musical da independência do Zimbabwe.

Marley havia entrado com o pé direito, tanto na mensagem, quanto no ritmo, sendo como Michael Jackson, singular e quase impossível haver comparação, e infelizmente para todos, pois os génios merecem renascer.

No Lobito, onde eu vivia, já às portas da proclamação da Independência, uma amiga como família havia chegado de prolongadas férias na Dinamarca, e na Europa, Marley estava a pegar fogo à popularidade. Além do ritmo contagiante, tocava autênticos hinos revolucionários, tanto que houve uma revolução a seguir: acabaram as colónias, nasceram os últimos países que faltavam; ali onde o fascismo e o colonialismo falharam, apareceram as democracias.

E Marley continua a inspirar toda uma geração, a do fim do último século, de 1970 até 2000.

Agora e para provar a sua força, Bob Marley resiste e Bob Marley revive. Hoje e aqui estamos a reviver Marley e a homenagear tanto a pessoa, o ícone, quanto à música, e a cultura que a "pariu”.

Bob ficou a Lenda...

e a lenda vive.

Fonte: Jornal de Angola

Enviar um comentário

Please Select Embedded Mode To Show The Comment System.*

Postagem Anterior Próxima Postagem