A Itália comemora o "Dia do Design Italiano" há sete anos. A primeira vez, em 2007, foram realizados 100 eventos em simultâneo, organizados pelas embaixadas desse país europeu. Em Angola, a data começou a ser celebrada apenas em Março de 2022, juntando arquitectos, curadores de exposições de artes visuais e estudantes de arquitectura.
Este ano, por razões várias, o 2 de Março, Dia do Design Italiano, foi celebrado a 11 de Maio, quinta-feira, sob o tema "De Baixo para Cima: Reflexões sobre design e cultura enquanto catalisadores de novos modelos de instituições’’, com o objectivo de levar a qualidade do design italiano ao mundo e envolver uma plateia variada de representantes do sector da arquitectura, do design, académico e empresarial.
O auditório Pepetela, do Centro Camões, acolheu a conferência com a participação da embaixadora do Design, crítica e curadora italiana Beatrice Leanza, que esteve em diálogo com a arquitecta, investigadora e curadora angolana, Paula Nascimento. Ambas apresentarem projectos elaborados e defendidos a nível internacional, com impacto quer no campo das artes visuais, quer nas culturas locais e regionais a nível da Europa, Ásia e África.
A relação directa entre design e arquitectura, a influência da cultura do design no pensamento e formas de actuar, sobretudo das instituições públicas, dominaram as comunicações tanto de Beatrice Leanza, quanto de Paula Nascimento. A conferência, presenciada pelo embaixador da Itália, Cristiano Gallo, teve, também, as intervenções dos arquitectos Belarmino Santos e Wilfred Figueiredo, e do curador independente e escritor Luamba Muinga, que apresentaram experiências e contribuições à volta do tema.
Em nota, a embaixada da Itália referiu que as apresentações e diálogos se concentraram na necessidade urgente de pensar na capacidade de instituições culturais se transformarem e apreenderem de forma adaptativa, com iniciativas independentes, para a introdução de metodologias de pesquisa e de acções diversas, localizadas no encontro entre o conhecimento popular e o conhecimento especializado, de forma a assumirem-se enquanto espaços de participação cívica e engajamento crítico, voltados para um futuro comum e equitativo.
A curadora italiana apresentou como estudo a cidade de Pequim, na China, com base numa perspectiva curatorial em urbanismo de transição, em que destacou o facto de, no início dos anos 2000, quando a China estava a entrar num momento de desenvolvimento acelerado, Pequim tinha imagens bastante comuns, no centro do qual se encontrava a construção de novos centros e culturas urbanas, e uma nova forma de produzir o futuro.
"Enquanto nos familiarizávamos com esta imagem de uma China hiperprodutiva e orientada para o futuro, uma outra imagem estava a fervilhar, e esta era a realidade de partes das áreas populacionais destas grandes megalópoles, como Pequim, em que as comunidades de longa duração que habitavam a cidade, em particular os centros históricos da baixa, eram realmente pressionadas pelo rápido influxo de capital e pela indústria imobiliária. Em 2013, há dez anos, tornou-me directora criativa da Semana de Design de Pequim, nessa altura, estava na China há muitos anos, mas a Semana de Design de Pequim era um evento governamental de grande escala, apoiado pelo município de Pequim e por três ministérios nacionais: da Cultura, Educação e da Ciência e Tecnologia. E, apesar da natureza oficial do evento, quero vos mostrar as formas como conseguimos potenciar e utilizar o alcance, a capacidade mediática desta iniciativa pública para promover, realmente, uma imagem do papel do design, a importância de moldar uma cultura de design, para se tornar um verdadeiro agente de mudança para a cidade e os seus habitantes, especialmente onde eram mais necessários".
Os projectos apresentados no decorrer da conferência representam colectivamente um conjunto de trabalhos que definiram a prática do design e da arquitectura ao longo desses anos, "mas que se tornaram fundamentais na caracterização de uma nova geração de profissionais e na forma como estes se enquadravam no contexto mais vasto das enormes transformações económicas, sociais e políticas que atravessavam o país", realçou a curadora italiana.
Considerou que, "o arquipélago emergente de posições" foi claramente construído segundo uma perspectiva transitória de desenvolvimento, cuja configuração social e económica se tornou urgente devido à escalada da fragmentação entre grupos demográficos e etários e aos desafios incessantes colocados pelo esgotamento ambiental, tanto em áreas urbanas como rurais. Assegurou que, com a transformação dos costumes sociais, o aumento da consciência cívica, os padrões educativos e a concorrência do mercado, as gerações mais jovens de profissionais de design tiveram motivos sem precedentes para participar numa reestruturação sistémica das ecologias urbanas, assente numa reavaliação do seu papel, "menos preocupada com o formalismo arquitectónico ou espacial do que com a valorização do progresso social e do espírito ético", disse.
A curadora angolana Paula Nascimento cingiu-se na exposição colectiva "A Ilha de São Jorge", em Portugal, tendo se debruçado numa perspectiva semelhante ao estudo de Beatrice Leanza, em que defende o design e a cultura como catalisadores de novas instituições, nada menos que a criação de infra-estruturas que servem as comunidades e geridas por elas mesmas. Um dos arquétipos que se enquadra na realidade angolana e que por isso despertou o interesse do público - maioritariamente estudantes de arquitectura - que entusiasmadamente reagiu ao debate.
Sobre a mostra "A Ilha de São Jorge", Paula Nascimento foi curadora com Stefano Rabolli Pansera, arquitecto italiano, teórico da arquitectura, urbanista e curador. A exposição ficou patente de 25 de Setembro a 9 de Outubro de 2022, e juntou obras dos artistas Suleimane Biai, Filipa César, Rui Terneiro, Filipe Branquinho Tiago Correia-Paulo, Mónica de Miranda, Irineu Destourelles, Kiluanji Kia Henda, René Tavares e Kwame Sousa. Trata-se de uma reposição do projecto apresentado na Bienal de Arquitectura de Veneza em 2014, na continuidade dos projectos "Beyond Entropy Angola” (2012) e "Luanda, Cidade Enciclopédica”, que deu a Angola o mais importante galardão do Mundo no domínio das artes plásticas, o Leão de Ouro a Bienal de Veneza de 2013.
Paula Nascimento exibiu algumas fotos das obras expostas, e fez considerações à volta das imagens e da relação com o espaço em que esteve patente a mostra. A exposição reflecte o modo como a modernidade foi concebida, desenvolvida, construída, habitada, absorvida e, por vezes, rejeitada em quatro países de língua portuguesa, nomeadamente Angola, Cabo Verde, Guiné Bissau, Moçambique e São Tomé, e produz um modelo de condições urbanas que pode conduzir a novas perspectivas sobre desenvolvimento urbano e discurso arquitectónico nestas regiões.
Design em Angola
As palavras "design" e "designer" são pronunciadas com frequência, em Angola, desde a entrada do Século XXI, referindo-se à criatividade artística para concepção de um produto (obra de arte) cuja fase final há intervenção industrial e, consequentemente, o artista que concebe ideias e obras produzidas em série, passando por vários estágios, com um propósito utilitário.
O design agrega ideia, planificação, desenho, produção industrial e mercado, o que leva a interferir e impor nas sociedades novos hábitos de vida, formas de pensamento e de agir, em suma, o design é um aglomerado de culturas da vida moderna ou contemporânea. Trata-se de um campo de criação artística, comércio e consumo industrial muito vasto, incluindo arquitectura, moda, artes gráficas, indústria automóvel, produtos, mobiliária, interior, animação, serviço, etc.
Entre 2004/2005, a disciplina de "Design e Comunicação Visual" foi introduzida no curso de Comunicação Social, do Instituto Médio de Economia de Luanda (IMEL), no âmbito da re- forma educativa, programa do Ministério da Educação, sob égide do projecto RETEP ( Reforma de Ensino Técnico Profissional em Angola). Na mesma altura, introduziu-se a disciplina de "Laboratório Multimédia", ambas leccionadas a partir da décima classe.
Em "Design e Comunicação Visual" , os futuros jornalistas estudam Arte, as principais escolas (estilos) e tendências artísticas, fotografia, cores, publicidade, e artes gráficas. A finalidade, de acordo com o professor da disciplina, Lourenço Pascoal, é capacitar os formandos para seguirem a especialidade de design gráfico. Licenciado em 1998, em Jornalismo pela Universidade Externa Humanitária de Moscovo, e com formação em extensão de Design Gráfico, feito em Moscovo e no país, o professor garantiu que os formandos do IMEL estão habilitados para intervir nas áreas de design gráfico, fotografia e publicidade, "são as três áreas em que os estudantes poderão seguir como especialistas ou profissionais da Comunicação Social, por que estudam essas áreas do design gráfico".
Destacou que o estudante adquire, também, noções sobre "Design thinking", um processo inovador que expande as capacidades criativas de solução de problemas por meio da compreensão das necessidades dos usuários e considerando seu feedback no contexto da criação de um produto ou serviço. Essa vertente tem como finalidade a resolução de problemas com foco nas pessoas, pois se trata de uma metodologia que visa reduzir os riscos no lançamento de novos produtos, ideias e serviços, assim como auxilia na criação de soluções inovadoras.
Além do IMEL, a Universidade Independente de Angola (UNIA) tentou implementar, em 2017, o curso de Design, através do Decreto Executivo nº 171/17, de 2 de Outubro, preconizando a formação de quadro angolanos na área da arte criativa, porém, até hoje o curso não arrancou. Lourenço Pascoal, que trabalhou durante 12 anos como editor e coordenador em design gráfico da Média Nova, garantiu que todas as fases, desde a concepção de uma ideia para produção de uma obra de arte utilitária, ou serviços tecnológicos, são analisadas durante a formação de Comunicação Social, tendo como foco a intervenção do artista (designer), uma profissão muito mais valorizada nos países industrializados. "Não conheço cursos superiores sobre Design em Angola, dos poucos especialistas que conheço estudaram no exterior".
"Design e Arquitectura para repensar o futuro”
Para abertura da Conferência da segunda edição do "Dia do Design Italiano", em Angola, o embaixador da Itália, Cristiano Gallo, realçou que, este ano, o evento dá especial atenção à arquitectura e às pessoas.
A VII edição do "Italian Design Day" é uma iniciativa de promoção integrada estabelecida pelo Ministério dos Negócios Estrangeiros e da Cooperação Internacional para celebrar a criatividade e o gosto italiano, mas acima de tudo a capacidade de inovação dos profissionais e empresas italianas que são a força motriz por trás da consolidação e sucesso internacional do nosso célebre "Made in Italy".
Antes de mais, gostaria de dirigir um agradecimento especial ao embaixador de Portugal, Francisco Alegre Duarte e ao Instituto Camões, e em particular à Sónia Fonseca, por terem disponibilizado o auditório Pepetela do Centro Camões, espaço que representa uma referência fundamental no panorama cultural angolano.
Estamos felizes em poder realizar o nosso evento, intitulado "De Baixo Para Cima: Reflexões Sobre Design e Cultura enquanto Catalisadores de Novos Modelos de Instituições’’ com a participação da ‘Embaixadora do Design’, a crítica e curadora italiana Beatrice Leanza, directora do Museu de Design Contemporâneo e Artes Aplicadas de Lausanne, Suíça, e anteriormente directora do Museu de Arte, Arquitectura e Tecnologia (MAAT) de Lisboa, com mais de 20 anos de experiência profissional, dos quais uma boa parte passada na China. O seu trabalho se concentra em processos de engajamento social, empoderamento educacional e ‘placemaking’ - uma abordagem à concepção, planeamento e gestão de espaços públicos através de processos ‘bottom-up’, ou seja "De Baixo para Cima", impulsionados pelas comunidades locais, visando a melhoria de um bairro, uma cidade ou uma região. Honra-nos, também, com a sua presença a arquitecta angolana Paula Nascimento que aceitou com entusiasmo participar na organização desta iniciativa. Paula Nascimento, como provavelmente já saberão, foi vencedora do Leão de Ouro, da Bienal de Veneza, em 2013, pela curadoria da exposição fotográfica "Luanda, Cidade Enciclopédica", de Edson Chagas. Em 2015, participou na realização e curadoria do Pavilhão Angola da Expo Milão 2020, que foi o mais visitado, com cerca 2 milhões de visitas, e o mais premiado.
Cabe destacar que Paula Nascimento recebeu, também, o prémio "Women for Expo" como melhor arquitecta daquela edição. Paula foi, também, a curadora responsável pela apresentação do Pavilhão de Angola na Expo 2020, no Dubai. Quero agradecer, também, a presença dos outros convidados que aceitaram enriquecer com as suas experiências e contribuições esta conversa: os arquitectos, Belarmino Santos e Wilfred Figueiredo, além do curador independente e escritor Luamba Muinga. O tema escolhido é em continuidade com a edição do ano passado que foi intitulada "Regeneração do Território, Design e Novas Tecnologias para um Futuro Sustentável". Estas temáticas são de particular relevância para Itália que está concorrendo com a cidade de Roma para sediar a Expo 2030, sob o lema "Pessoas e Territórios".
Acreditamos firmemente que a cidade eterna é o local ideal para sediar a Expo 2030, sendo um centro global de arte, diálogo, criatividade e inovação que, ao longo dos milénios, tem vindo a sofrer um constante processo de regeneração, reforçando uma imagem de uma cidade que nunca é estática, sempre evoluindo e se adaptando às mudanças. Além disso, seu papel como um importante "hub" da União Europeia e a sua posição central no Mediterrâneo, na encruzilhada da Europa, África e Oriente Médio, garante uma localização perfeita para o sucesso da Expo 2030 em termos de participação de países, visitantes, visibilidade e oportunidades.
Estamos convencidos que o Design e Arquitectura podem oferecer as suas contribuições para repensar o futuro, dirigindo a atenção para as responsabilidades ambientais, sociais, económicas e culturais e os jovens, refiro-me em particular aos estudantes que estão aqui hoje, são os verdadeiros actores do renascimento pós-pandemia, inovando sistemas, práticas, materiais com criatividade, partindo de espaços, passando por serviços inovadores e cidades inteligentes, um desafio que a Itália acolhe na sua candidatura de Roma à Expo 2030.
Gostaria de agradecer as Universidades que aqui presentes - Universidade Lusíada, Católica, Agostinho Neto, Metodista, ISPAJ e ISPTEC – e que aderiram em grande número a esta iniciativa. A Itália quer continuar a desenvolver uma estreita cooperação no campo académico e da formação, sectores fundamentais das profundas relações bilaterais cada vez mais sólidas, entre a Itália e Angola, que em pouco tempo serão ulteriormente reforçadas pela visita de Estado do Presidente da Republica, João Lourenço em Roma. Obrigado e desfrutem desta jornada dedicada ao Design, à Arquitectura e às Pessoas!
Fonte: Jornal de Angola
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