O namoro precoce que resulta em gravidez na adolescência

 
A criança chora. A mãe, Filomena Maria, 15 anos, já não sabe o que fazer para a acalmar. “Parece que tem cólicas”, pensa à jovem mãe, enquanto procura tranquilizar a filha. O relógio marca 23 horas e a criança teima em chorar. A avó da criança e mãe de Filomena recebe a bebé e dá umas voltas pela sala de casa e, minutos depois, a criança adormece.

Filomena suspira de alívio e aproveita o momento para descansar também. Conceição Joaquim, 45 anos, mãe de Filomena, dirige-se aos berros à filha, nos seguintes termos, " é isso que dá, quando não escutam conselhos dos pais para não namorar antes do tempo. Agora nem banho, nem preparar a criança sabe”.

Filomena, de estatura baixa e magra, vive no bairro do Malueca, município do Cazenga e engravidou do namorado, um jovem de 25 anos, desempregado, cujo namoro levou cinco meses. A falta de conhecimento sobre o Planeamento Familiar e prevenção da gravidez levou a engravidar. Filomena parou de estudar para cuidar da criança e ainda teve a contrariedade de não ser assumida maritalmente pelo suposto namorado, que, tão-logo recebeu a noticia da gravidez, se mudou para a província de Malanje.

A gestação na adolescência tem sido um dos problemas que afecta a sociedade e o namoro precoce que, aliada à falta de informação, tem contribuído para o surgimento de gravidezes indesejadas.

Teresa Barbosa, de 15 anos de idade, vive no Grafanil, com uma tia. Engravidou do namorado e a família, sem meias medidas, decidiu, contra sua vontade, enviá-la para viver com o namorado, um jovem, 18 anos, desempregado. A inexperiência da vida marital levou-os a constantes discussões. Já a situação de Teresa Barbosa é diferente. Com 15 anos, engravidou de um colega de escola, dois anos mais velho. O rapaz confessou, na altura, não estar ainda preparado para ser pai. Mas já era tarde. A gestação levou sete meses. A gravidez na adolescência está na ordem do dia, um pouco por todo o país.

Tudo começa no namoro precoce, na escola, na comunidade, nas festas, divertimentos nocturnos. A idade vai entre os 11 e os 18 anos. Madalena Mazi, 16 anos, engravidou do namorado e escondeu-a do pai e dos vizinhos até aos oito meses e nunca foi à consulta. Com a barriga pequena, negava sempre que as mais velhas a questionassem. Há dias, a bolsa de água rebentou, na igreja, no Calemba 2. O pai quase que teve um ataque de coração, porque não sabia, mesmo vivendo na mesma casa com a filha, cuja mãe é falecida.

A gravidez na adolescência constitui, nos dias que correm, um dos principais desafios a ser enfrentado pela sociedade angolana, presente nas comunidades, nas maternidades e nas escolas. Ao descobrir-se grávida, além de enfrentar os conflitos que surgem na família e a frequente fuga à paternidade, a adolescente, geralmente, abandona a escola e busca formas para sustentar a si e ao bebé.

Adolescência é uma fase desafiadora

Para a médica especialista em Ginecologia e Obstetrícia, Hyara Jorge, são considerados adolescentes, em Angola, cidadãos com idade compreendidas entre os 11 e os18 anos. A OMS considera que a adolescência vai dos 10 aos 20 anos, ao passo que as Nações Unidas consideram que vai dos 15 aos 24. A adolescência é uma fase complicada da vida porque o indivíduo está na fase da descoberta do corpo. Yara Jorge afirma que a maior parte das adolescentes que dão à luz, na Maternidade Augusto Ngangula, vivem com familiares e muitas enfrentam situações social, financeira e afectiva, difíceis.

As adolescentes acabam por engravidar em ambientes sem protecção e, quando se descobrem gravidas, já estão com quatro a cinco meses de gestação. O desconhecimento do funcionamento do ciclo menstrual, tem contribuído para o surgimento da gravidez. A médica, aponta várias consequências da gravidez na adolescência, tal como a falta de experiência para cuidar da criança, dificuldades em amamentar o bebé, o abandono escolar.

A jovem adolescente, tem, normalmente, um parto mais demorado, e tem maior cuidado com a higienização, por estar na fase de aprendizagem. A falta de condições sociais leva algumas adolescentes e jovens a abandonar às recém-nascidas. Para travar essa ocorrência, a direcção da maternidade conta com psicólogos que atendem as parturientes e acompanhantes, orientado-as a encarar a situação, de modo a prevenir as famílias contra o abandono das adolescentes grávidas.

As adolescentes grávidas devem ir à consulta antes e depois de terem o parto, frequentando consultas de Planeamento Familiar, incluindo os rapazes. A gravidez na adolescência é um fenómeno complexo e envolve múltiplas dimensões da vida humana, directamente relacionada ao contexto sociocultural, económico e político. A prevenção exige esforço dos distintos sectores públicos responsáveis pela implementação de políticas públicas.

Salas de parto em Viana

O director municipal da Saúde de Viana, médico Matondo Alexandre, explicou que, em Viana, cerca de 30 por cento de partos são realizados em casa, o que tem dificultado as estatísticas.

O médico afirmou que as adolescentes grávidas podem se isolar e terem receios de sofrer bullying na escola, situação que as leva a desistir de estudar e algumas sofrem de depressão depois do parto. Por isso, tem se assistido casos de mães adolescentes que deitam fora crianças, enforcam-nas e, algumas, acabam por se suicidarem. Considera por isso, a adolescência como uma fase especial, porque além do próprio desenvolvimento do organismo hormonal, muitas meninas acabam por ter uma gestação de risco, porque o organismo não está preparado para gerar ainda filhos.

Há casos em que a influência hormonal no organismo da adolescente é muito intensa, assim como as reservas de minerais, ferro e outros elementos necessários. Há meninas em que as reservas de ferro são baixas e desenvolvem anemia, podendo desenvolver doenças hipertensiva na gestação, sendo necessário o acompanhamento médico.

Também há criança que, devido ao baixo suplemento de nutrientes no sangue e oxigénio, poderá entrar em sofrimento fetal. Com o sofrimento do parto, a bacia da mãe poderá não corresponder com o tamanho da criança e impedir a descida do bebé, situação que pode complicar o parto.

A directora clínica da maternidade, médica Jolie Balazão, explicou que aquela unidade sanitária tem atendido menores que ali procuram gerar um filho, sendo que umas nascem de partos normais e outras mediante cesariana. O início do namoro precoce, o baixou nível socioeconómico das famílias, violência sexual, falta de informação sobre os métodos prevenção de gravidez, estão na origem do problema que tem como consequências, os abortos, abandono escolar, depressão pós-parto, parto prematuro.

Psicóloga aponta as precárias condições de vida

A difícil condição social de algumas famílias, a falta de educação sexual, curiosidade, influência das telenovelas, foram apontados como alguns dos factores que levam os adolescentes a iniciarem a actividade sexual precoce.

Em declarações ao Jornal de Angola, a psicóloga Domingas Tabo argumenta que a situação social e económica enfrentada por muitas famílias influencia que algumas meninas se deixem assediar, manipular e começar a namorar cedo. Algumas meninas vivem comparando a vida que levam com a das amigas cujos os familiares têm um pouco mais de possibilidades, desde alimentação, vestuário e outras mordomias exibidas pelos filhos.

A rapariga, explica, aceita namorar para ter condições financeiras e bons telefones para fazer selfies e navegar na Internet. Considera que a erotização de alguns conteúdos exibido pela mídia acaba por influenciar o namoro precoce, mesmo desconhecendo a Educação Sexual.

A desvantagem da gravidez na adolescência para as meninas tem a ver com interrupção dos estudos, sentirem-se excluídas, baixa autoestima, depressão, ansiedade, agressão, isolamento, vergonha, medo, raiva, conflitos emocionais, rejeição. Já os rapazes têm de trabalhar cedo, abrir mãos dos estudos, a pressão social, podendo desenvolver ansiedade e depressão, disse a especialista.

O conselho para as famílias

A psicóloga aconselha as famílias a procederem a um maior acompanhamento dos adolescentes, abordando temas sobre educação sexual. Alerta às adolescentes para evitarem pressa em experimentar o sexo precocemente, devendo o fazer apenas na fase apropriada.

Os encarregados de educação devem conversar mais sobre os perigos das relações sexuais antes do tempo apropriado, com os riscos de

contracção de doenças sexualmente transmissíveis. A psicóloga considera que muitos namoram cedo por falta de acompanhamento e má influência dos amigos e amigas. Muitas sofrem bullyng e para mostrar que também podem então vão e fazem, para sentirem -se aceites no meio dos amigos.

As famílias devem falar sobre a vida sexual e falar sobre sexo não significa que se vai incentivar a fazer sexo na adolescência.

Sociólogo Marcelino Pintinho

O sociólogo Macelino Pintinho considera que a gravidez na adolescência é um fenómeno que causa consequências para a sociedade, na medida em que aumenta o número de casos de gravidezes na adolescência de ano após ano, agravando o problema com a falta de informação sobre a sua prevenção. Como nem sempre os adolescentes têm informação, a gravidez torna-se um problema, apesar de afectar mais as camadas de baixa renda.

O cientista social diz que ela constitui um problema social a nível mundial, agravado pela desinformação sexual das jovens. Considera que os meios de comunicação e outros que usam imagens inapropriadas, em horários nobres, que podem estimular e criar curiosidades, até em crianças, o que dificulta o processo de consciencialização e responsabilização individual sobre o assunto. Por isso, diz ser necessário ensinar as adolescentes, matérias sobre a sexualidade quer em casa, assim como na escola de modo a prevenir casos do género.

A gravidez na adolescência, acarreta inúmeras consequências sociais na vida das gestantes e da família. O sociólogo explica que é na adolescência, uma fase marcada por transformações profundas ao nível fisiológico, psicológico social e familiar, que a jovem procura a sua identidade e descobre a sua sexualidade. Considera que a sexualidade nesta fase da vida manifesta-se através de sonhos, desejos, fantasias, masturbação e relações sexuais.

Acrescenta que diante do aumento de casos de gravidez na adolescência, com realce para Luanda, diz ser urgente identificar medidas que permitam uma intervenção sustentada na estrutura familiar.

As famílias desempenham um papel fundamental na educação sexual e na prevenção da gravidez precoce. A família e a escola devem estar em sincronia no processo de educação sexual das adolescentes, a escola possui um papel muito importante para diminuir a insuficiência de educação sexual e informação, pois cabe ao professor, problematizá-la, questionar, criar condições para esclarecer aspectos relacionados com a sexualidade e contribuir para o desenvolvimento humano.

Início precoce das relações sexuais

Marcelino Pintinho que tem uma obra sobre a gravidez na adolescência, considera que as relações sexuais começam por norma em Angola, entre os 11 e os 12 anos, facto que leva muitos adolescentes a engravidarem antes de atingirem a idade adulta. No passado, namorava-se dentro dos hábitos e costumes familiares. A mulher mantinha a sua virgindade para o casamento. Actualmente boa parte das adolescentes mantém relações sexuais para depois casarem já sob pressão dos pais.

O desconhecimento dos métodos anticoncepcionais, a educação sexual débil proporcionam à adolescente o tabu de falar sobre a vida sexual no seio familiar. O consumo de bebidas alcoólicas, e outras substancias psicoactivas, a participação das raparigas em festas, influenciam no surgimento da gravidez na adolescência. O fenómeno mata-aula, onde a jovem ao invés de ir para escola vai a casa do namorado, sobretudo as sextas-feiras, contribuem para o surgimento da gravidez na adolescência.

A taxa de natalidade é elevada, e isso decorre dos problemas sociais vividos no país, que tem uma população maioritariamente jovem e sem muita informção sobre a vida sexual precoce.

A saúde sexual e reprodutiva significa que os indivíduos devem ter uma vida sexual prazerosa e segura, através de informações sobre a sexualidade e prevenção de ITS/HIV e a liberdade para decidirem se querem ter filhos, quando e com que frequência irão tê-los, através do acesso à informação e aos métodos contraceptivos. Ou seja, o direito de exercer a sua sexualidade e a reprodução livres de imposição e de violência.

A realidade dos números

Em 2021, o país registou um total de 93.588 casos de gravidezes de adolescência, dos 9 aos 18 anos. Luanda foi a província com mais casos, com um total de 41.855, seguido do Cuanza-Sul com 11.001, Lunda-Norte com 6.808, Benguela com 6.674, Malanje com 5.636 e Cunene com 3.465 casos.

A província de Cabinda vem a seguir com 3.442, Moxico com 3.205. Neste ano, de acordo com as estatísticas fornecidas ao Jornal de Angola pela Direcção de Saúde Rprodutiva do Ministério da Saúde, Lunda-Sul com 137 e Huila com 203, foram as que menos casos registaram.

Já no ano 2022, a província com mais casos de gravidez na adolescência foi Luanda com 37.056 casos, Cuanza-Sul com 17.296, Lunda-Norte com 12.021, Benguela com 11.971 casos. As outras províncias foram o Uíge com 11.178, Malanje com 7.850, Cuanza-Norte com 4.553, e Cunene com 4.370 casos. Neste ano, as províncias do Huambo com 26 casos, Lunda-Norte com 500 e Bengo com 781 casos, foram as províncias com menos casos registados.

Já no primeiro trimestre deste ano, ou seja, nos meses de Janeiro,Fevereiro e Março, foram registados 35.250 casos, sendo Benguela com 7.524 casos Cuanza –Sul com 5.828, Luanda com 3.785, Lunda-Norte com 3.626 e Namibe com 3080.

Famílias são instadas a desempenhar papel activo.

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